Para compreender a corrupção, é necessário analisar o contexto social e cultural em que a prática se encontra, bem como suas possíveis raízes históricas.
Como bases sociais da corrupção no Brasil, podemos elencar, por exemplo, o clientelismo, o coronelismo e o patrimonialismo. Ainda que não mencionada diretamente como a prática de corrupção nos textos em análise sobre os referidos termos, a intenção é compreender as bases dos referidos fenômenos que, desde o Império (1822-1889) traziam à tona a confusão do privado com o público.
Não há como afirmar uma correlação direta entre passado e presente, tampouco tentar explicar a corrupção por meio de práticas como o clientelismo e o patrimonialismo, entretanto é inegável que essas relações político-sociais tiveram alguma influência sobre as relações existentes na estrutura atual.
Nesse sentido, a corrupção e as crises decorrentes dela podem ser derivadas das formas distorcidas de representação política, como é o caso do coronelismo, quando os coronéis são depositários do direcionamento dos votos dos seus dependentes, e também no caso do clientelismo, quando os agentes públicos são destinatários de pedidos e favores pessoais.
A legislação do Império[1] (1822-1889) mostra que “grande parte dos princípios normativos tratava de concessões feitas a agentes privados para explorarem, com exclusividade, determinadas atividades econômica” (CARRAZA, 2018, p. 11).
Nesse sentido, conforme a historiadora Lilia Schwarcz, os casos de corrupção que surgiram ao final do período imperial foram sintomas do colapso do sistema político, porque naquela época “atacar o imperador era sinônimo de atacar o Estado, uma vez que ele o personificava” (AVRITZER; FILGUEIRAS, 2011, p. 16).
Já na Primeira República, acadêmicos como Gilberto Freyre (1933), Sérgio Buarque de Holanda (1936), Victor Nunes Leal (1949), Raymundo Faoro (1958) e José Murilo de Carvalho (2001), “identificaram no patrimonialismo e no clientelismo uma chave para entender o Brasil” (CARRAZA, 2018, p. 11).
Durante a República Velha também o Brasil experenciou o coronelismo que, por sua vez, seria “um sistema político, uma complexa rede de relações que vai desde o coronel até o presidente da República, envolvendo compromissos recíprocos” (LEAL, 2012).
O sistema que envolvia os coronéis, governadores e presidentes da República e sendo decorrente da inadequação da estrutura econômica e social ao regime representativo, bem como da situação de dependência do eleitorado rural para com os chefes locais.
Além disso, era um compromisso entre o poder público, que se fortalecia cada vez mais, e os senhores de terras (chefes locais), que iam perdendo a influência pouco a pouco (LEAL, 2012 – Indicações sobre a estrutura e o processo de “coronelismo”, Palavras Introdutórias).
Os coronéis teriam sob seu comando lotes de votos de cabresto, principalmente por serem privilegiados economicamente e socialmente como donos de terras, o que lhes conferiam um considerável prestígio político e um amplo domínio sobre seus dependentes, de forma que acabavam exercendo ou substituindo o papel de importantes instituições políticas.
Por último, há a concepção de patrimonialismo, um tipo de dominação política seria sustentada por incentivos de compensação material, como, por exemplo, o clientelismo e a corrupção (BRUNHNS, 2012, p. 62-63), sendo aquela “na qual certos poderes do senhor e as chances econômicas que a ela correspondem são apropriadas pela direção administrativa”[2] (BRUNHNS, 2012, p. 70).
Atualmente, o clientelismo e as outras práticas de manifestação de confusão entre público e privado podem ser interpretadas como resquícios ainda recentes de uma cultura que, desde muito tempo, mantém práticas de benefícios privados em prol do público.
[1] Disponível do site da Câmara dos Deputados. (CARRAZA, 2018, p. 287).
[2] M. Weber, 1971/1995, op. cit.: I, p. 309 ; et 1972, op. cit., p. 134.