Os aplicativos de delivery de comida se popularizaram e alavancaram durante a pandemia da Covid-19. Diante da alta demanda, a necessidade de aumentar a mão de obra também veio à tona. Por isso, muitas empresas decidiram recorrer a uma decisão inusitada, o trabalho infantil.
Na Zona Oeste de São Paulo, um grupo de entregadores que fazem o delivery de bicicleta promoviam um debate sobre a queda nas chamadas nos últimos dias enquanto a concorrência trabalhava a todo o vapor. O grupo formado por seis homens começou a se desfazer à medida que os pedidos foram chegando.
Minutos mais tarde, um deles, Diego, foi chamado para fazer uma entrega e, ligeiramente, vestiu sua mochila térmica e disparou ao endereço. Em, aproximadamente, 10 minutos, o entregador concluiu todo o serviço daquele momento e aguardava até que tudo começasse novamente.
Diego já está nessa rotina há quatro meses, e se mistura em meio a milhares de entregadores que utilizam bicicletas para trabalhar com delivery. A novidade é que ele tem apenas 14 anos de idade. O jovem se desloca por cerca de 30 quilômetros, pelo menos, três vezes na semana, para fazer as entregas em uma região mais valorizada na capital paulista
“Não dá para ficar lá [no bairro] parado vendo o mundo girar. Como todo mundo, eu também preciso das minhas coisas”, argumentou Diego. Mas se engana quem pensa que ele é o único adolescente nessa situação. Diversos jovens na faixa etária de 14 a 17 anos estão vinculados a aplicativos de delivery de comida em São Paulo e fazem as entregas de bicicleta.
Um deles é Felipe, de 17 anos, residente da Zona Sul de São Paulo. O jovem já se habituou a pedalar cerca de 10 quilômetros em regiões onde se situam bairros de classe médica e, por consequência, tem mais corridas. Ele já está nessa rotina há 10 meses, desde que foi demitido do antigo emprego em um supermercado.
“Comecei a trabalhar lá como Jovem Aprendiz aos 16 anos. Eles me mandaram embora por conta da pandemia. Eu era empacotador. Trabalhei lá por uns 5 meses. Até falaram que iam me chamar de novo, mas ficou só na conversa mesmo”, contou.
No começo, Felipe fazia delivery de bicicleta somente aos finais de semana para um restaurante em uma das maiores favelas da capital paulista. No entanto, o proprietário do estabelecimento morreu de Covid-19 e resultou no fechamento do local. Foi então que Felipe começou a trabalhar como entregador no Ifood e UberEats.
Com o dinheiro do acerto no restaurante, o jovem comprou uma bicicleta usada e uma mochila térmica própria para entregas, ambos os produtos por R$ 160. E ao receber algumas dicas de colegas que já estão no ramo, Felipe também decidiu se arriscar a fazer entregas fora da comunidade onde vive.
O rapaz relata o cansaço físico provocado pelo trabalho, motivo pelo qual prefere fazer entregas no período noturno, entre 18h e 22h. Quando tem algum tempo, ele também se arrisca no delivery do almoço, mas acha difícil conciliar uma jornada dupla. Isso porque, somente nas entregas ele pedala cerca de 60 km, além de outros 20 km referente ao trajeto de ida e volta do trabalho.
Mas uma hora o cansaço chega e, junto a ele, a dor causada pelo exercício físico ao extremo. São em dias assim que Felipe não consegue ir trabalhar, precisando de um dia de folga para então retomar a rotina.
Os motivos que levam crianças e adolescentes a procurarem trabalho no Brasil são vários, especialmente após a pandemia. Por isso, é importante ter consciência sobre as condições estruturais para entender essa prática no Brasil. É o que diz a gestora do projeto Criança Livre do Trabalho Infantil, Bruna Ribeiro.
“A gente precisa entender que o trabalho infantil é fruto da desigualdade social, do racismo estrutural e da pobreza. Se trabalho infantil fosse bom, seria privilégio dos ricos. É sim, de fato, um problema social e estrutural do nosso país, que tem uma relação direta com a escravização da população negra”, ponderou.
Direito de resposta
Diante da abrangência e gravidade do tema, a Uber que possui um seguimento secundário exclusivo para entregas alimentícias, a Uber Eats, enviou uma nota explicativa sobre o cadastro de entregadores menores de idade para esclarecer qualquer mal entendido. Segue nota na íntegra:
“Menores realizando entregas pela plataforma da Uber violam os Termos & Condições de uso do aplicativo, além de infringirem a Lei. Quando identificamos fraude ou tentativa de cadastro de menores, a conta é imediatamente desativada e quaisquer novas tentativas de cadastro dos mesmos indivíduos são rejeitadas. Além disso, podemos notificar o Conselho Tutelar e nos colocamos à disposição para trabalhar com as autoridades para investigar potenciais fraudes, como já fizemos no passado.
A Uber tem a segurança como prioridade e está comprometida com a atualização e aprimoramento constante dos seus processos contra fraudadores e os novos esquemas que eles criam para burlar as regras impostas pela empresa. Nossos times de detecção de fraudes usam tanto processos manuais quanto automatizados que analisam mais de 600 parâmetros em busca de comportamento fraudulento. Um deles é a verificação do entregador parceiro em tempo real: de tempos em tempos, o sistema pede que ele tire uma selfie, que é verificada contra a foto cadastrada no sistema. O entregador só consegue prosseguir com as entregas depois de fazer essa verificação.
Além disso, o aplicativo também permite a qualquer um – usuário, restaurante parceiro – denunciar se o entregador parceiro não for aquele que se registrou no aplicativo ou notar qualquer irregularidade.
Ao longo do último ano, a Uber implementou novos processos e tecnologias para prevenir fraudes e aprimorou o treinamento de sua equipe, sempre trabalhando para estar à frente dos novos movimentos fraudulentos”.